O que significa celebrar, ao fim do ano litúrgico, a solenidade de Cristo, Rei do Universo?
Para responder a esta questão, poderíamos repassar algumas das preciosas lições da encíclica Quas Primas, de 11 de dezembro de 1925, com a qual o Papa Pio XI estabeleceu para o mundo inteiro essa festa litúrgica. Poderíamos lembrar, por exemplo, que embora o reino de Cristo seja “principalmente espiritual” e se refira “às coisas espirituais” (n. 10), “erraria gravemente aquele que negasse a Cristo-homem o poder sobre todas as coisas humanas e temporais” (n. 11).
Poderíamos comentar a causa histórica dessa instituição: o crescimento do laicismo, que persegue os cristãos e condena-os a guardarem a sua fé em uma gaveta, sob a alegação de que “o Estado é laico”. Poderíamos citar, então, como em 1925 o mundo acabava de sair da Primeira Guerra Mundial e assistia à ascensão de governos fortemente contrários à Igreja e a sua missão espiritual; como nessa época surgiram o nacional-socialismo na Alemanha, o fascismo na Itália, o socialismo na Rússia e no leste da Europa, sem falar do regime anticlerical de Plutarco Elías Calles no México, que deu origem à Guerra dos Cristeros.
Mas, como o próprio Pio XI reconhece no documento em questão:
Mais do que os documentos solenes do Magistério eclesiástico, têm eficácia na informação do povo nas coisas da fé e no levantá-lo às alegrias interiores da vida as festividades anuais dos sagrados mistérios. Os documentos, o mais das vezes, são tomados em consideração por poucos homens eruditos, as festas, porém, comovem e ensinam a todos os fiéis; aqueles só falam uma vez, esses, porém, por assim dizer, todo ano e em perpétuo; aqueles impressionam, de maneira salutar, sobretudo a mente, estas, porém, não só a mente mas também o coração, enfim todo o homem. Na verdade, sendo o homem composto de alma e de corpo, precisa ser solicitado pelas solenidades exteriores, de forma que pela variedade e beleza dos ritos sagrados, receba no ânimo os ensinamentos divinos e, convertendo-os em substância e sangue, sirvam-lhes ao progresso de sua vida espiritual (n. 13).
Sendo nós compostos, portanto, de corpo e alma, e podendo ter acesso às riquezas da liturgia católica pelo menos através da internet, deixemo-nos solicitar “pela solenidades exteriores” com que a Igreja desde sempre adornou o culto divino:
No vídeo acima, extraído da composição de Mozart para a Missa de Exéquias, a orquestra impressiona-nos com um canto a Jesus Cristo, “Rei de tremenda majestade”. Rex treméndae maiestátis, qui salvándos salvas gratis, salva me, fons pietátis, diz o texto litúrgico. “Rei de tremenda majestade, que de graça salvais os que devem ser salvos, salvai-me, fonte de piedade”.
A sequência Dies irae, da qual é retirada esta breve oração, está presente na Missa pelos defuntos da Forma Extraordinária do Rito Romano. Na Forma Ordinária, porém, ainda é possível cantá-la como hino facultativo na última semana da Liturgia das Horas (a sua composição para o canto gregoriano pode ser ouvida e aprendida aqui). Em episódio do programa “Ao vivo com Pe. Paulo”, já tivemos a oportunidade de meditar sobre esse hino completo.
Celebrar a solenidade de Cristo Rei, ao fim do ano litúrgico, é celebrar o “Rei de tremenda majestade” diante do qual compareceremos ao término de nossa passagem neste mundo. O belo arranjo de Mozart pode nos ajudar a ter uma noção (ainda que muito insipiente) do que será esse encontro terrível e ao mesmo tempo consolador entre a misericórdia divina e a grande miséria que somos nós.
Este artigo apareceu primeiro no site do Padre Paulo Ricardo.
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